Os furacões que nós mesmos criamos. [ou: Apagando o fogo da raiva com a água do amor.]

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Nem sempre somos rápidos o suficiente para amenizar, ou para incinerar, algumas emoções que surgem como explosões.

volcano-4Hoje fui motivada a escrever sobre a raiva, essa emoção que é como se um vulcão entrasse em erupção repentinamente, queimando tudo ao seu redor, sem se importar com o valor das coisas ou pessoas que queima.

Quando a raiva vem é assim também, não é? Por algum motivo sentimos que não fomos completamente atendidos por alguém, talvez não tenhamos recebido o reconhecimento esperado após termos feito uma tarefa, ou talvez não tenhamos alcançado aquela posição que almejávamos… Podem ser muitos os motivos que nos fazem experimentar a raiva, no entanto é interessante notar que esses “motivos” têm sempre mais a ver com a maneira pela qual eu percebo as situações, a maneira pela qual eu as interpreto, do que com a situação em si. Ou seja, essas reações estão relacionadas à maneira pela qual eu conduzo a minha mente a observar as cenas.

Interessante, não? Repetindo: “a maneira pela qual eu conduzo a minha mente“. Por essa frase fica mais fácil perceber que eu não sou a mente, mas que eu conduzo a minha mente, ou seja, eu conduzo a minha capacidade de pensar.

“Mas essa coisa de controlar os pensamentos é algo muito difícil…”, talvez você esteja pensando agora. Bem, difícil também é só uma maneira de interpretar, de qualificar, que nós mesmos resolvemos aceitar e que acabam por bloquear nosso empenho em efetivamente aprender a dar passos para a frente, rumo a controlar e organizar a mente. Portanto, simplesmente pense que é fácil, e siga em frente.

Devido a estarmos sempre nos estimulando a pensar em algo, nossa mente constantemente encontra-se abarrotada de pensamentos de vários tipos, seja lembrando de situações passadas, seja projetando o futuro, lembrando de pessoas, de lugares etc.

É tão raro estarmos em um lugar simplesmente apreciando o ambiente naquele momento, sem outros pensamentos…

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Mesmo ao viajarmos para lugares silenciosos e “naturais” é possível que nossa mente seja atraída às pessoas que deixamos, ou aos assuntos profissionais. Talvez por esse motivo é que não largamos dos celulares, tablets e afins, porque queremos poder instantaneamente resolver pendências e preencher “vazios” de companhia e “vazios” de acontecimentos felizes. Terminamos por preencher todos os nossos “espaços e momentos vazios” com ocupações muitas vezes sem valor, inúteis.

O fato é que vamos nos acostumando a esse ritmo acelerado, tendendo a aumentá-lo mais e mais, até sentirmos que perdemos o controle sobre nossas vidas e que estamos sendo arrastados por um tipo de furacão que nos suga a energia. Esquecemos que esse furacão foi criado por nós mesmos: nossas escolhas profissionais e familiares, nossa alimentação, nossa rotina, nosso lazer, nossas companhias… frutos de desejos criados pela mente em algum momento no passado, que começaram de forma inocente e com intuito de sentir felicidade, mas que com o tempo revelaram ter misturas de negatividades.

web_blog_gavin_waterproof_aprilAo longo desse processo interno de auto descoberta fomos nos tornando cada vez mais superficiais nos relacionamentos, com o eu e com os outros. Imagine um barco de madeira que viajou bastante, que já passou pelos mais diferentes lugares, por águas calmas e por correntezas com pedras… como ele poderia permanecer navegando se estiver com furos e cheio de remendos? Somente a alta velocidade o faria prosseguir, mas já sem a mesma estabilidade e senso de direção de um barco novo. Se esse barco parar, simplesmente afunda. Conosco é semelhante: a alta velocidade da mente e das ações desordenadas, sem freio e sem senso, continuam nos fazendo mover e viver, mas sem uma direção certa. Há o medo de parar e então afundar.

Como esses barcos furados e remendados, passamos a viver aleatoriamente, sem saber onde iremos aportar. Por algum tempo essa aventura é desejada, mas é bem provável que venha o momento de querer um porto seguro.

Ao passar por ondas e por furacões torna-se fácil acreditar que eles são externos a nós e que talvez uma conspiração esteja acontecendo contra nós, nos fazendo sentir que somos vítimas de seres ou de energias negativas… Culpamos um, culpamos outro, esquecemos de olhar com sinceridade para o próprio eu, aquele que criou anteriormente todas aquelas cenas.

A raiva é uma das negatividades que irrompem na alma por causa de uma falta de proximidade do eu com ele mesmo, por uma falta de amor próprio. Amor que faz olhar para os próprios erros e corrigi-los, e não um (falso) amor que oculta as próprias fraquezas e amplifica desproporcionalmente alguns sucessos.

O falso amor cria uma falsa noção de “eu”, causando uma distorção da realidade, uma ignorância sobre quem se é de verdade. O falso amor gera arrogância, aquela percepção exagerada de si mesmo que o faz perceber a si mesmo como um “rei do Universo” e acima de qualquer Lei e falha.

Assim, imbuída de um falso amor por um falso “eu”, a alma fica vulnerável e responde com ira, fúria, raiva, a qualquer situação que aconteça de maneira diferente da esperada. Quando a alma está assim, é porque identifica-se com apenas uma pequena porção de quem é de verdade e tem medo de perder esse pouco que (acredita) possuir de felicidade, beleza, estabilidade ou amor.

Ao se desenvolver um olhar amplo sobre si mesmo, sobre a vida, sobre o mundo e as pessoas, é que somos capazes de tornar certos acontecimentos irrelevantes, e assim resolvê-los de forma pacífica e amorosa, sábia e humildemente aceitando-os ou “acomodando-os” dentro de si, refrescando-os com água, em vez de torná-los combustíveis para um incêndio.

boat-paper-water-dream-water-fullscreenPara aprimorar e desenvolver clareza e estabilidade frente aos “furacões” da vida, é importante adotar um percurso mental diferente do que se tem. É importante rever o ritmo e a qualidade do próprio pensar, para ser capaz de voar para cima do furacão saindo de sua influência. Esse é um dos objetivos da meditação: exercitar ser alguém capaz de se distinguir das ações da mente (os pensamentos) para, então, poder observá-la com neutralidade. Outro objetivo é o de transformar a qualidade da mente, e isso vem num passo seguinte, pois é necessário um poder extra, a partir de exercitar atitudes mais profundas, como o amor que se passa a ter por sua natureza original e pura (aquele desejo de ser alguém melhor, alguém correto, bom).

Olhar a si mesmo com essa energia, que é o verdadeiro amor, reaproxima o ser de si mesmo. Assim se desenvolve uma amizade capaz de ver as próprias fraquezas e de dar passos para transformá-las, uma a uma, em um processo que envolve muita honestidade, paciência e determinação.

Swept-paper-boatPraticar a meditação é abrir uma porta para um reencontro com a própria “criança” interior, é retornar à própria essência, deixando para fora os hábitos e pensamentos negativos. À medida em que se caminha rumo à verdade de si mesmo, aquilo que é falso e mentiroso automaticamente se desprende e não consegue seguir junto.

Desenvolva muito amor verdadeiro pelo eu verdadeiro, e a raiva se desprenderá.

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