Natureza despreocupada

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Ontem uma senhora, vizinha de meu pai, estava passando na rua com seu cachorrinho. A porta da rua estava aberta pois aqui o movimento é calmo e às vezes ficamos observando a natureza a frente. Seu cachorrinho, como de costume, entrou para uma “visita” e foi oportunidade para uma breve conversa.

Ela se lembrou de como fora “adotada” pelo cãozinho, há nove anos. Ela costumava cuidar da casa de temporada de uma senhora que mora em São Paulo e um dia esta senhora trouxe o cachorrinho, que passou a ser alimentado e cuidado diariamente por ela durante a semana. Como a dona da casa vinha apenas de vez em quando, uma vez se surpreendeu pois, ao colocar ração e água para o cãozinho, notou que mesmo após um dia inteiro o animalzinho não tinha comido nada. Perguntou então à cuidadora o que estava acontecendo. A resposta estava evidente: o cão já havia escolhido sua “dona”, aquela que realmente se dedicava a cuidar dele.

A essa altura, o cãozinho já tinha saído de dentro da casa do meu pai (após ter comido o restinho de ração dos gatos), e passeava em meio ao jardim a frente, alheio a tudo o que sua “dona” comentava emocionada ao seu respeito. Sim, ela estava se emocionando, contando dos cuidados que tinha com a saúde dele, um pouco preocupada com uma verruga que aparecera em seu focinho.

Me veio nitidamente, observando a cena toda, a percepção de como o animalzinho estava simplesmente vivendo despreocupado, fazendo o que tinha que fazer, inconsciente do nome que recebera, de quanto custava para sua dona os cuidados com sua saúde e inclusive desapegado do fato de “pertencer” a alguém. Ele apenas estava fazendo o que estava gravado em sua natureza de cachorrinho, ou seja, passeando, comendo, exercitando-se, enquanto ela estava apegada, preocupada com ele, e de certa forma presa.

O quanto esse simples acontecimento reflete o modo como o ser humano vive, cada vez mais preocupado e dependente, desnecessariamente. O mundo se move, as pessoas, os animais e os acontecimentos se movem, porque é natural que tudo se mova, se transforme. Então, qual a razão para se apegar e gastar energia pensando, se angustiando e criando medo com relação à “duração” de cada um, ou ao estado momentâneo de cada situação?

Somente com a percepção de que estamos em movimento constante, como em um trem que passa por diversas paisagens, mas se mantém em um trilho já construído e com destino garantido, é que podemos viver de forma despreocupada e leve. O cachorrinho talvez não tenha esse entendimento, mas é da natureza dele viver assim. Já o ser humano tem de se relembrar disso de tempos em tempos para que isso se torne a sua natureza.

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