O espírito criativo: desenhar a vida.

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Desenhar a vida

Nossa jornada de vida pode ser comparada a uma composição de desenho ou pintura. Um desenho começa a ser feito ao se encostar o lápis no papel, iniciando uma intervenção e deixando ali uma marca, um traço, uma cor.

A cada segundo que passa, estamos registrando em nossa história algum tipo ou outro de pensamento, sentimento, palavra e ação. Além de criarem marcas em nossa própria memória, também podem deixar marcas nas memórias dos outros.

Se essa marca foi precisa ou não, se o lápis escorregou, se sua ponta quebrou, se houve um borrão ou o traçado saiu distorcido, em um caso ou outro será possível apagar, mas há casos em que a única maneira será dar continuidade ao desenho a partir dali, integrando o deslize a um novo movimento de traçado.

Com a nossa vida acontece algo semelhante. Podemos, sim, ter algum tipo de meta e plano para o nosso futuro, mas é importante aceitarmos que no meio do caminho surgirão situações não previstas e que podemos nos dar conta de que o plano feito no passado pode ter perdido seu sentido ou valor. Isso porque com o passar do tempo vamos adquirindo novas experiências e elas podem nos trazer realizações transformadoras ao nível de nossa consciência.

O desenho livre

A minha prática de desenhar começou na infância com a intenção de copiar outros desenhos e colori-los. Só mais tarde tornou-se uma forma de expressão livre, como um hobby e até mesmo uma autoterapia.

Quando criança, tive aulas de pintura com uma arte-educadora, junto a um pequeno grupo de crianças. Todos os encontros iniciavam com alguns minutos de relaxamento, geralmente com uma música tranquila de fundo.

Durante as aulas, que eram lúdicas e despretensiosas, éramos orientados a iniciar a pintura seguindo o que estávamos sentindo e também a partir da vibração da música que tocava, assim escolhendo as cores e dando as pinceladas sobre a tela, de modo livre e leve.

Havia intervalo para um lanche descontraído e também podíamos dar pequenas pausas no meio da “criação”. Ao retornar dessas pausas, olhávamos para a tela e para o que havia sido pintado até aquele momento. Então, podíamos fazer associações daquelas manchas coloridas com formas que já conhecíamos.

A partir desse novo olhar, dávamos continuidade, deixando que nossas mãos conduzissem o pincel e escolhessem as cores que iriam concretizar a forma (imagem) que tinha sido percebida e criada na mente.

A “obra final” era sempre interessante e cada um via algo diferente na tela do outro, a partir de seu próprio olhar e interpretação.

As pausas no meio do caminho

Desde que tive contato com a meditação, percebi quão importante é fazer pausas ao longo de nossa caminhada de vida.

É comum que, ao simplesmente seguirmos as demandas rotineiras, sem pausas, em algum momento a gente se veja em um caminhar labiríntico e sem sentido, ou, ainda, que fiquemos confusos e cansados de tanto caminhar sem saber para onde estamos indo, ou seja, sem metas claras.

Os inventores, os artistas, os cientistas criam novidades ao permanecerem absortos em silêncio, refletindo, observando e se concentrando em algo que está para “nascer” ou ser solucionado.

Quando estamos diante de situações decisivas, naturalmente nos recolhemos, olhamos mais para dentro para analisar e refletir melhor.

O “desenhar” de nossas palavras e ações está diretamente conectado à energia de nossos pensamentos e, mais profundamente, ao modo como nos percebemos, ou seja, ao nível e à qualidade de nossa consciência.

No livro “O Ponto Alfa”, o autor, Anthony Strano, menciona muitas vezes sobre a mágica que há por trás do silêncio profundo e o seu poder transformador. O silêncio nos permite um reencontro com nosso potencial, com nosso ser… nos leva ao desprendimento das identificações que nos associam e nos restringem a certas características de personalidade e de determinados papéis sociais. Com esse mergulho interno, e natural desprendimento do externo, reencontramos e reconhecemos que há um enorme universo interior de possibilidades – as nossas qualidades e os nossos poderes espirituais.

O “casulo de silêncio” – a metamorfose da alma

Anthony menciona que desde jovem buscava por conhecer Deus, mas que essa busca não havia sido satisfeita ao simplesmente ler os textos e conceitos sobre Ele nas escrituras e nas histórias mitológicas. O que ele buscava era uma experiência profunda e verdadeira com Deus, e a encontrou através do estudo e prática do Raja Yoga, cujo ensinamento principal pode ser resumido a uma palavra: manmanabhav, do hindi, que significa “entregue sua mente a Deus”, ou “pertença a Ele desde sua mente”.

Nós, como seres espirituais, precisamos de um Guia e de uma referência poderosa e constante que nos reacenda a consciência original. O desenhar de nossas vidas requer uma mente livre de desejos, preocupações e dúvidas, permitindo que a energia divina conduza nosso intelecto (a mão que segura o lápis) na direção correta.

Para isso, é necessário a autopercepção de ser espírito, alma, e não corpo, e deixar-se conduzir, abrindo mão de sempre se achar certo ou de questionar os acontecimentos.

Deus tem uma natureza espiritual sempre pura. De acordo com o Raja Yoga, Deus sempre existe, é um Espírito, Alma Incorpórea, Eterno, constantemente Benevolente, Puro e Amoroso, e pode atuar sobre a alma humana em um momento específico da história, o momento em que a alma humana se perde de si mesma e entra em total escuridão.

O silêncio profundo nos conduz ao reencontro com Deus – o “Ponto Alfa” – e essa aproximação nos permite criar vínculos profundos de relacionamentos com Ele, como o de um filho com uma Mãe e Pai amorosos, que nos perdoam, acolhem e de quem herdamos qualidades; ou de um aluno que aprende de um Professor os métodos para alcançar independência e capacidades.

Esses relacionamentos espirituais nos nutrem e removem as manchas de erros e negatividades adquiridas ao longo de nossa caminhada, de nosso processo de desenhar a vida. Através deles, passamos por uma transformação muito profunda, comparada à metamorfose de uma lagarta para uma borboleta, como exemplifica o autor:

“Para entender o processo de metamorfose, nós podemos olhar para o exemplo da lagarta: feia, pesada, presa à terra, rastejando por todos os lugares com suas muitas pernas, comendo constantemente. Logo depois, ela tece seu lar e naquele casulo se esconde silenciosamente dos olhos do mundo, enquanto a Natureza faz o seu trabalho incognitamente. Em silêncio, a metamorfose acontece. Então, um dia, uma criatura totalmente nova surge do casulo. Não mais presa à terra, suas pernas desapareceram. Agora, com asas brilhantes e coloridas, viaja pelo céu, parando de tempos em tempos, para sugar o néctar das flores. A maravilha desta metamorfose é um milagre que acabamos considerando comum.

Um ser humano profundamente tocado pelo amor de Deus faz a jornada interna em direção ao silêncio introspectivo. Naquele silêncio, a alma lembra-se de Deus e aquela lembrança tece o casulo da metamorfose humana. Aquele que é Verdade pura nutre a alma humana com amor, à medida que a transforma.”

O Ponto Alfa – Um relance de Deus – Anthony Strano
(Editora Brahma Kumaris)

A estrutura que traz naturalidade

No processo de desenhar é possível utilizar técnicas para estruturar previamente no papel a imagem que se quer representar. O uso de métodos pode nos ajudar se não ficarmos presos à rigidez e à frieza de seus traços.

O contato com o conhecimento espiritual, a prática da meditação, as pausas no dia e as reflexões pessoais proporcionam mais clareza à mente e permitem delinear e prever, até certo ponto, as consequências de cada escolha e ações.

Outros aspectos que associo ao uso da estrutura como forma de ajudar no caminho, são: disciplina, organização, determinação, obediência e paciência. Embora possam dar a ideia de rigidez para alguns, se aplicados na dose certa irão nos ajudar a conduzir nossas vidas com menos desperdício e mais eficiência, com menos confusão e mais clareza, menos erros e mais beleza.

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